Nunca fui muito chegada a você. Apenas o observava de longe, percebendo a admiração que muitos lhe dedicavam. Tinha a capacidade de mudar o semblante das pessoas apenas com a sua presença. Não sei dizer em que momento isso mudou, quando passei a me importar com você, a percebê-lo e a buscar seu cheiro nos ambientes. É um cheiro forte, que impregna meus sentidos, ao qual até hoje não encontrei similar.
Acho que nossa relação começou de fato em Parintins, cidade no interior do Amazonas. Foi por intermédio de uma amiga, Cláudia, que tive oportunidade de me reencontrar com você. De conectar-me a você. De início, foi uma aproximação tímida, alguns poucos encontros e sempre na casa da Cláudia. Depois de algumas semanas, eu já me convidava para ir até lá, na esperança de te encontrar.
Em alguns momentos até me sentia culpada. Talvez eu devesse ir com mais calma, sem muita sede ao pote, sabe? Mas não segui minha intuição e quando percebi já estava completamente envolvida. Precisava vê-lo diariamente. Havia dias em que eu ficava imaginando a hora em que eu teria você só pra mim. Quando estávamos juntos, parecia que o tempo parava. Passei a apreciar sua companhia em todas as situações. Com amigos, em boas conversas ou sozinha, só nós dois. Gostava de sentir o seu calor em minhas mãos, tomando conta do meu corpo, e do seu gosto na minha boca. A sensação de prazer me tomava por horas, mesmo após os nossos encontros. Era surreal.
Alguns amigos até começaram a estranhar meu comportamento, porque eu sempre falava em você. Seu nome passou a fazer parte dos meus assuntos. Era evidente como eu desejava sua presença. Os mais próximos ainda me alertaram, dizendo que eu deveria ter um pouco mais de cautela e não ser tão intensa. Mas não sei como deixei que você me envolvesse assim.
Ao contrário do que imaginei, nossa relação intensificou-se ainda mais quando mudei para São Paulo. A distância não foi o suficiente para nos separar. Você me perseguiu, fez-se presente novamente, com mais intensidade e passou a tomar conta dos meus dias. Como era de se imaginar, acabei tendo uma overdose de você. Sua presença, aos poucos, foi se tornando tóxica para mim. Seu cheiro que antes me inebriava, agora me entorpecia. Estava quase dependente de você, mesmo com todo incômodo que essa situação estava me causando. Sua personalidade passou a ser doentia...
Tive de dar um basta nessa dependência. Eu tinha total ciência que nossa relação estava se tornando nociva, mas não queria dar atenção aos sinais que meu corpo emitia. Até que não pude mais ignorá-los. Mesmo querendo sentir o seu cheiro, o seu gosto, tive de tomar a decisão de afastar-me. Foi o que o médico disse, caso eu quisesse sobreviver à gastrite que me corroía cada dia mais. Foi bom enquanto durou, café. Daqui pra frente, só poderemos voltar a nos encontrar em algumas poucas ocasiões. E recaídas, só quando você estiver descafeínado.
Graciene Silva de Siqueira
Graciene Silva de Siqueira é professora do curso de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas em Parintins desde 2009. Possui mestrado em Ciências da Comunicação (UFAM/Manaus) e doutorado em Letras (Mackenzie/SP). Trabalhou onze anos em redações de jornais como A Crítica, A Notícia, Diário do Amazonas e O Estado do Amazonas, nas funções de repórter, colunista e editora.
Apaixonou-se por filmes quando trabalhou em uma videolocadora nos anos 1980. Escreveu roteiro de curtas-metragens premiados no Amazonas, como Telefone sem fio, Além da vida e Sonhos, e outros exibidos em festivais, como Mormaço e Próximo ponto. Pesquisa e coordena projetos relacionados à Sétima Arte na Ufam. Em seus planos estão escrever o roteiro de um longa-metragem e um livro de crônicas.