Após três dias com dor de garganta e falta de ar, fui à uma unidade básica de saúde em Parintins, no último domingo. Em meio à pandemia em que vivemos, você, caro leitor, tem uma ideia de qual eu achei que fosse o meu problema.
Para meu alívio, após breves exames, o médico sugeriu que talvez eu estivesse com uma crise de ansiedade. Aliás, ele me falou que muitas pessoas na cidade estão apresentando esse quadro. A possibilidade de ser ansiedade também passou pela minha mente, mas a gente, é claro, sempre pensa o pior. E detalhe: por mais que eu me reconheça como uma pessoa que eventualmente sofre episódios de ansiedade, nunca, na minha vida, havia produzido sintomas físicos. Isso me alertou para o grau de ansiedade que estou passando durante essa quarentena, que, até então, consistia em compulsão alimentar. Sim, à noite, sozinha em casa, mesmo sem fome, eu vasculho geladeira e armários. Normalmente atrás de doces.
O fato é que eu fiquei com medo. Muito medo de estar com coronavírus. Havia possibilidade, é claro, de eu ter contraído em uma das duas vezes em que saí de casa para ir à farmácia e/ou mercado, apesar de ter passado 90% do tempo em isolamento. Mas e os outros sintomas da doença, como tosse e febre? Minha mente não racionalizou nada disso, só repetia constantemente: “dor de garganta e falta de ar são dois sintomas da doença, pode ser que esteja no início e, antes que piore, preciso ir ao médico”.
E não comentei com ninguém como estava me sentindo. Aliás, nem poderia, alguns amigos estão passando por crise de ansiedade e aqueles que estão longe nada poderiam fazer. Iam apenas preocupar-se. Talvez, se eu tivesse conversado com alguém, chegasse à conclusão de que os sintomas serem apenas uma manifestação física do meu medo. Mas, quem passou – e passa por isso – não quer racionalizar. Só vê o perigo à frente de si. E passar por isso sozinha é tão amedrontador quanto a doença em si.
Lidar com a enxurrada de notícias produzidas pela mídia – muitas de teor sensacionalista, sim -, estar em um Estado e minha filha em outro, morar sozinha em Parintins e saber que alguns familiares em Manaus não estão tendo a oportunidade de isolar-se em casa, mexe com a gente, com certeza, especialmente porque alguns fazem parte do grupo de risco. E ver então as pessoas ainda nas ruas, jogando bola, se aglomerando em frente à loteria como se nada estivesse acontecendo é também angustiante.
O que dizer então das palavras e posts daqueles que minimizam o problema com algo do tipo: “não morreram cinco mil pessoas como estava estimado, vamos voltar às ruas”. Mas morreram umas 500 e essas pessoas têm família. Porque a vida delas deveria valer menos do que a minha, do que a sua? Nessas horas sinto um certo desespero, não da situação em si, mas da humanidade mesmo. Em que momento perdemos nossa empatia com o próximo?
Estamos cientes que recuperar a economia vai ser uma tarefa difícil, como aliás está sendo para todos os países; sabemos que muitos contrairão o vírus, mas sairão incólumes dessa pandemia; e há ainda aqueles que não vão ganhar essa guerra... porém, o que acho mais aterrador é que alguns vão passar por isso e continuar os mesmos, ou seja, sem empatia com o próximo.
Graciene Silva de Siqueira
Graciene Silva de Siqueira é professora do curso de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas em Parintins desde 2009. Possui mestrado em Ciências da Comunicação (UFAM/Manaus) e doutorado em Letras (Mackenzie/SP). Trabalhou onze anos em redações de jornais como A Crítica, A Notícia, Diário do Amazonas e O Estado do Amazonas, nas funções de repórter, colunista e editora.
Apaixonou-se por filmes quando trabalhou em uma videolocadora nos anos 1980. Escreveu roteiro de curtas-metragens premiados no Amazonas, como Telefone sem fio, Além da vida e Sonhos, e outros exibidos em festivais, como Mormaço e Próximo ponto. Pesquisa e coordena projetos relacionados à Sétima Arte na Ufam. Em seus planos estão escrever o roteiro de um longa-metragem e um livro de crônicas.